quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Êxodo

1
1-7
Com a morte de José e seus irmãos, termina a história de uma família e começa a história de um povo, conforme a promessa de Gn 46,3.
8-14
Com medo de que o povo explorado tome consciência da própria situação e se revolte, o poder político lança mão de trabalhos forçados e de pressão psicológica; assim o povo não tem condições e meios de se organizar e se libertar.
15-22
Temendo a revolta, a autoridade política recorre ao controle de natalidade, a fim de evitar o crescimento de um problema incontrolável para a classe dominante. No entanto, a vida é mais forte que todas as armas do opressor: as parteiras tementes a Deus, fonte da vida, respeitam a vida que nasce.
2
1-10
A vida está presente até dentro da casa do opressor: a compaixão da filha do Faraó, aliada à coragem da mãe hebréia, preservam a vida daquele que será o líder da libertação.
11-22
Embora educado em meio à classe dominante, Moisés sai e vê a situação de seus irmãos. Esse ver o leva à solidariedade, ao gesto de defender um irmão. Imediatamente, a classe dominante se torna hostil, e Moisés tem de fugir. A solidariedade se manifesta novamente para com as filhas Ragüel. Madiã, uma região de deserto, mais tarde vai se tornar o lugar da liberdade e da vida na intimidade com Deus, enquanto o fértil Egito já se tornou lugar de escravidão e morte.
23-25
O povo começa a tomar consciência de que é escravo e exprime a sua insatisfação. Esse clamor já é o desejo de uma nova situação. Deus vê a condição do povo e ouve o seu desejo; lembra-se de sua própria aliança de vida e se solidariza com os oprimidos, levando em conta a situação deles. Deus sempre está presente e disponível, mas respeita a liberdade do homem e só age quando invocado. Note-se que essa invocação não precisa ser uma oração articulada; para invocar a Deus basta o simples desejo de liberdade e vida, que se manifesta como insatisfação dentro de uma situação de escravidão e morte.
3
1-6
A experiência de Deus é um mistério que está além da compreensão humana. Esse mistério é apresentado aqui  como fogo que arde sem consumir. Esse Deus misterioso  é o aliado do povo oprimido, o povo de Abraão, Isaac e Jacó. Moisés deverá tomar partido: ou continua identificado com os poderosos que oprimem o povo, ou se coloca à disposição do Deus que toma partido dos oprimidos.
7-10
Respondendo ao clamor do povo, Deus se alia à causa dele e mostra o objetivo da libertação: o objetivo último e utópico é uma condição de posse total da vida (terra onde corre leite e mel); ao mesmo tempo, é um objetivo próximo e concreto: a posse da terra de  Canaã (terra dos cananeus...). A libertação, portanto, é um movimento para se atingir o ideal, e este se concretiza num momento histórico bem determinado. E a ação de Deus se realiza sempre através da mediação humana (no caso, Moisés).
11-15
Moisés se sente incapaz e sem autoridade para ser mediador da libertação para um povo com quem jamais conviveu. Deus lhe assegura que estará com ele e que a libertação vai se realizar: o povo chegará até o Sinai (= Horeb, v.1). Em seguida Deus se apresenta como aquele que está presente (v. 14): ele é o mesmo Deus dos antepassados: aquele Deus que prometeu formar um povo, agora vai cumprir a promessa. Ele quer ser invocado sempre com este nome. Deus manifesta a sua identidade dentro de um processo de libertação.
16-22
O texto esboça um verdadeiro programa de ação libertadora. Primeiro, lembra o objetivo da libertação: criar um sistema alternativo ao da escravidão (vv. 16-17; cf. 3,7-8). Depois, apresenta a estratégia para o processo de libertação: 1) reunir os líderes naturais do povo (anciãos) e reivindicar pela via legal que o Faraó permita ao povo ir ao deserto para cultuar a Javé (v. 18); 2) fracassando a via legal, aplicar medidas de força - mão forte - (vv. 19-20); 3) deixar claro que o conflito será contra o poder opressor, e não contra o povo egípcio (v. 21); 4) exigir uma indenização por todo o tempo em que o povo trabalhou como escravo (v. 22).
4
1-9
Moisés acha que o povo não vai acreditar nem fazer caso. Ele sabe que os sacerdotes e magos conseguem impressionar o povo, para o manter ideologicamente sob controle. Tendo adquirido poderes semelhantes aos dos sacerdotes e magos egípcios (cf. 7,8-13), Moisés poderá conscientizar o povo, desmascarando a ideologia do sistema egípcio e fazendo o povo acreditar que a libertação é possível e vai se realizar.
10-17
É a última objeção de Moisés: ele não sabe falar de maneira que o povo entenda. Aarão tem essa facilidade, pois vive no meio do povo; além disso, é irmão de Moisés e poderá ser o seu porta-voz.
18-23
Com o retorno de Moisés ao Egito, o projeto de libertação começa a ser executado. E aqui já se faz alusão ao término violento desse projeto (v. 3; cf. 12,29-34).
24-26
O texto é obscuro. O ataque de Javé contra Moisés se deve certamente ao fato de que ele se descuidou, não circuncidando o filho. É interessante notar que o texto vem logo depois de se mencionar a morte do primogênito do Faraó (v. 23). É que os primogênitos hebreus serão salvos graças ao sinal do sangue (cf. 12,13).
27-31
Começa a realização do projeto de libertação. Para que ele não seja imposto de cima para baixo, são necessários a adesão e o compromisso consciente do povo, aqui representado por seus líderes (= anciãos; cf. 3,18). Nesse momento os três - Javé, o povo e os líderes - estão sintonizados para agir em conjunto.
5
1-5
O processo de libertação começa através da via legal, por uma reivindicação feita em nome de Deus dos hebreus. O nome "hebreus" é aplicado a grupos que não possuíam lugar na sociedade e eram considerados como vagabundos e bagunceiros. Por isso, a expressão "Deus dos hebreus" designa o Deus que é solidário com os marginalizados. A reação do Faraó é de auto-suficiência total: primeiro, ele desconsidera o Deus dos marginalizados; depois, acusa os líderes de subverter o povo, afastando-o do trabalho, prejudicando assim os interesses da classe dominante.
6-14
Diante da reivindicação dos oprimidos, o opressor aumenta ainda mais suas exigências, a fim de que o povo se aliene completamente no trabalho e, sem descanso, não possa tomar consciência nem se organizar. Com isso, o opressor procura desprestigiar e difamar os líderes, mostrando que as idéias destes não combinam com a realidade (v. 9). Ao lado disso, encontram-se aqueles que, apesar de oprimidos, buscam seus próprios interesses e se vendem ao sistema, tornando-se inspetores na opressão contra os próprios irmãos (v. 14).
15-21
O opressor conseguiu o que queria: desarticular a organização do povo e desacreditar os líderes. Os inspetores se encontram numa situação difícil, pois aquilo que o opressor pede é humanamente impossível. Parece que o projeto de libertação já fracassou.
5,22-6,13
De fato, o projeto de libertação por via legal fracassou mesmo. Tudo perdido? Não. Agora vai começar o uso da força (6,1). O texto de 6,2-13 é uma repetição de 3,7-22: no lugar em que está, reafirma a  presença de Javé no meio dos oprimidos e mostra que o projeto de libertação continua em pleno vigor.
14-27
O propósito desta genealogia é mostrar que Moisés e Aarão são irmãos e que a tribo de Levi é que teve a iniciativa da libertação. O texto foi elaborado por sacerdotes que dirigiam a comunidade judaica depois do exílio da Babilônia
6,28-7,7
O texto retoma o que já foi dito em 3,16-22 e 4,10-17. A libertação não é obra puramente humana, porque a iniciativa é de Deus. Em vista disso, o homem presta culto ao Deus que liberta.
8-13
Começa o confronto: de um lado Javé, o Deus libertador. Do outro, o Faraó, rei opressor. Moisés e Aarão são os mediadores de Deus para liderar o processo de libertação. Os magos são aqueles que sustentam e defendem o poder do Faraó. Já nesse primeiro confronto, Deus sai vitorioso: "a vara de Aarão devorou a vara dos magos".
14-24
A primeira praga atinge as águas do rio Nilo, que é centro da vida egípcia. O propósito das pragas, porém, não é atingir o povo, mas o Faraó. Este, no entanto, não se sente ameaçado em seu poder político, pois os magos que o sustentam e defendem (poder ideológico) são capazes de agir da mesma forma, neutralizando assim a reivindicação dos oprimidos.
7,25-8,11
A segunda praga já atinge a casa do Faraó. Os magos realizam o mesmo prodígio, mas são incapazes de conter os efeitos da praga, porque os hebreus estão aliados a Javé, o Senhor da libertação e da vida. Começam as negociações entre o Faraó e Moisés. O pedido do Faraó, porém, é apenas uma tática para normalizar a situação, e não disposição para atender às reivindicações.
12-15
A terceira praga, que mostra a impotência dos magos, obriga-os a reconhecer que, no momento, são incapazes de conter o processo de libertação.
16-18
Com a quarta praga, o Faraó tem que reconhecer: Javé está no país como aliado dos hebreus, dando eficácia ao projeto deles. As negociações continuam. Moisés obriga o Faraó a ser mais concreto, e consegue contra-argumentar e cobrar o prometido.
9
1-7
A quinta praga ameaça atingir os animais usados como transporte, produção e alimentação. Javé continua ao lado do seu povo, e o Faraó se vê obrigado a reconhecer o fato.
8-12
A sexta praga continua a terceira e atinge diretamente os magos, que sustentam e defendem o poder político do faraó. Todo o aparelho ideológico do Faraó está em frangalhos: ele não consegue neutralizar a ação de Moisés e não tem como se sustentar.
13-35
A sétima praga atinge em parte a produção de alimentos e vestuário (linho). Além disso, provoca divisão na classe dirigente (vv. 20-21): alguns ministros procuram obedecer à palavra de Javé, o Deus dos hebreus, não para se unirem ao projeto dele, mas porque vêem seus próprios interesses ameaçados e não encontram outra saída.
10
1-20
A oitava praga acelera as negociações: agora, até os ministros pressionam o Faraó. E Moisés não cede um passo sequer. A proposta do Faraó (vv. 10-11) é d manter reféns, para garantir o retorno dos homens.
21-29
A nona praga leva o Faraó a ceder mais um pouco (cf. 10,11); Moisés, porém, continua sem fazer concessões. As negociações são interrompidas, e Moisés é ameaçado de morte.
11
1-10
O anúncio da décima praga marca o ponto mais alto do confronto entre Javé e o Faraó: atingido o herdeiro, a dinastia fica ameaçada, e com ela todo o sistema político egípcio. Além disso, os hebreus ganham a simpatia do povo (cf. 3,21-22), inclusive de uma parte dos ministros. Assim, o Faraó está a ponto de perder completamente o domínio da situação.
12
1-14
A festa da Páscoa era primitivamente um ritual realizado por pastores: para proteger dos espíritos maus a família e o rebanho, eles matavam um animal e com o sangue dele tingiam a entrada da tenda. Com o êxodo, o ritual adquire sentido novo: a Páscoa será a lembrança perpétua do Deus vivo que, para libertar o povo, derrota o opressor e seus ídolos.
15-20
A festa dos Pães sem fermento era primitivamente celebrada por agricultores na ocasião da colheita: a finalidade era não misturar o produto da colheita anterior com o produto da nova. Essa mistura podia acontecer se fosse usado o fermento, que era conservado com parte da massa feita da colheita anterior. A sociedade que nasceu da liberdade não deve conter elemento nenhum da sociedade estruturada sobre a opressão.
21-28
O ritual da Páscoa mantém viva a memória da libertação, ao longo de todas as gerações. A celebração da Páscoa educa, isto é, transmite uma consciência, para que a nova geração não fique alienada, reproduzindo uma sociedade estruturada na desigualdade opressão.
29-36
A décima praga marca o ponto mais alto no processo de libertação: a morte dos primogênitos desestrutura o poder do Faraó (ruptura da dinastia) e abala a estrutura da família egípcia. Agora o Faraó é quem toma a iniciativa de chamar Moisés e Aarão, para conceder tudo o que fora reivindicado. Sobre os vv. 35-36, cf. nota em 3,16-22.
37-42
Uma vez realizado o processo de libertação, muitos aproveitam as vantagens superficiais e aderem ao grupo que liderou o movimento; essa "imensa multidão" (v. 38), mais tarde, criará problemas (cf. Nm 11,4). A moite da libertação transforma-se em vigília a ser celebrada para sempre. É preciso manter-se desperto, para jamais esquecer que Javé é o Deus que liberta; esquecer isso é tornar-se escravo novamente, cultuando os ídolos que produzem escravidão e morte. O ritual do Sábado Santo mantém viva essa memória.
43-51
Só pode participar da Páscoa quem está comprometido com o processo da libertação. Com o correr do tempo, a circuncisão se tornou o sinal desse compromisso.
13
1-2
O primeiro filho era o responsável pela descendência: consagrá-lo era reconhecer que Javé é o Senhor da vida e o responsável pela continuidade do seu povo.
3-10
Cf. nota em 12,15-20.
11-16
Cf. nota em  13,1-2. Em Israel, não era permitido sacrificar seres humanos, por que Javé é o Deus da vida, e não da morte. Por isso, era costume consagrar o primogênito e depois resgatá-lo, sacrificando em lugar dele um animal.
17-22
Toda mudança exige nova e profunda educação: o deserto será lugar para aprender e amadurecer a vida em liberdade. Nessa caminhada, Deus está acompanhando continuamente (dia e noite) o seu povo, guiando-o de tal maneira que não desanime nem volte para trás (v. 17).
14
1-14
Começa a luta para manter a liberdade recém-conquistada. Diante do primeiro obstáculo, o povo voltar atrás, preferindo conformar-se com a escravidão. As palavras de Moisés (v. 13) mostram que Deus é o aliado que dá eficácia à luta do povo.
15-31
A passagem do mar Vermelho traça uma linha divisória entre o mundo da opressão e o mundo da liberdade. Todo movimento de libertação, que já tinha alcançado suas primeiras metas, corre o perigo de ser cooptado ou sufocados pelos antigos opressores. Javé age não somente para que a libertação seja realizada, mas também impede que o opressor reconduza os libertados para a escravidão.
15
1-21
Trata-se de um hino de Javé guerreiro, celebrando sua vitória sobre as forças que ameaçam o seu povo. Provavelmente o hino se formou a partir do canto de Maria (vv. 20-21), um dos textos mais antigos do Antigo Testamento. Os vv. 1-12 celebram as vitórias sobre as tropas do Faraó. A partir daí, o Deus libertador se torna a base da fé. No v. 13 aparece a etapa do deserto. Os vv. 14-18 cantam a vitória sobre os reis de Canaã, mostrando o que o povo soube atualizar continuamente o fato da libertação. Frente a realeza que oprime, o hino proclama a realeza de Javé (v. 18), que compra e redime seu povo para a liberdade (vv. 13-16).
22-27
No sistema opressor do Egito, a água da vida se tranforma em fonte de morte (sangue). No deserto, na condição difícil de um povo que luta pela libertação, a água amarga da morte transforma-se em fonte de vida. A murmuração (v. 24) mostra que o povo ainda não assumiu a condição de povo livre. Ao mesmo tempo, apresenta um problema real: os líderes precisam responder às necessidades básicas, para que o povo não desanime nem acabe desacreditando o projeto da libertação.
16
1-35
Desta vez, a murmuração (cf. 15-24) é contra o próprio Javé, pois o povo prefere o lugar da escravidão e da morte ao projeto de Javé, que é a libertação voltada para a vida. Diante das dificuldades, a grande tentação é trair o projeto de libertação, vendendo  “a preço de banana” a liberdade já conquistada.
Note-se que a colheita do maná deve obedecer a uma distribuição igualitária: todos tem o mesmo direito aos bens, de tal modo que não faltem e não sobrem para ninguém. Em vista disso, é proibido acumular qualquer excedente, que produziria o senso de posse e desigualdade. O sábado marca a passagem de uma vida escrava para uma vida livre: todos têm direito ao descanso, e o dia de Javé é o dia em que o homem se refaz dentro do projeto da liberdade e da vida. Na véspera do sábado, todos podem recolher quantidade dupla de maná, pois o povo tem direito de comer também no dia do descanso.
17
1-7
A nova dificuldade faz o povo ficar em dúvida: Será que o Deus libertador o está acompanhando no caminho para a vida? O mesmo bastão que provou ser Moisés o enviado de Javé  para lutar contra o opressor, torna-se agora instrumento de vida. Massa significa tentação, provação; Meriba significa discussão.
8-16
Os amalecitas, inimigos proverbiais de Israel, simbolizam os obstáculos que dificultam a construção de uma sociedade justa. O povo, na sua caminhada para a liberdade e a vida, encontrará sempre esses obstáculos, que poderão ser vencidos com a ajuda de Javé (intercessão de Moisés) e a luta corajosa ( Josué).
18
1-12
A volta da mulher e dos filhos de Moisés mostra que a fase difícil já passou. As palavras de Jetro são uma grande confissão de fé: doravante, o único Deus verdadeiro é aquele que liberta o povo. Por outro lado, essa confissão de fé indica o rumo da história: o projeto histórico legítimo é aquele que processa a libertação para mais vida; todos os outros projetos são alienantes e geram morte.
13-27
Jetro sugere a Moisés uma descentralização do poder. A seguir (Ex 19-23), encontramos um corpo de leis, que forma uma verdadeira constituição. O que se projeta é uma relação social fundada na liberdade, na vida e na dignidade, e não um Estado político, pois o único Estado que o livro do Êxodo menciona é o Egito, terra de exploração e opressão. A constituição de Israel prevê um asociedade igualitária, onde a única autoridade é o Deus que liberta para a vida.
19
1-8
O processo de libertação chega ao seu ponto culminante: Deus propõe ao povo livre uma aliança, e o povo aceita livremente. Desse modo, Israel torna-se propriedade especial de Deus. A única autoridade sobre o povo é o próprio Deus; a única função das autoridades humanas será servir à realeza de Deus, fazendo o povo viver de acordo com a justiça e o direito. Por outro lado, Israel inteiro torna-se um povo de sacerdotes, porque não há mediadores entre ele e Deus; todo o povo por sua vez, torna-se o mediador, que manifesta a presença e a vontade de Deus entre os povos.
9-15
O momento da aliança será solene, e o povo deve preparar-se durante três dias, a fim de receber de Deus a orientação para a vida.
16-25
No momento da aliança, o povo tem uma experiência de Deus. De per si, essa experiência é indescritível; para exprimi-la, recorre-se a uma série de sinais externos que expressam a manifestação de Deus: fumaça, fogo, relâmpago, trovão, tremor de terra.
20
1-21
No momento solene da aliança com o povo, Deus apresenta os Dez Mandamentos. Estes possibilitarão ao povo formar uma relação social onde todos possam viver com liberdade e dignidade, porque eles não deixam construir uma sociedade baseada na escravidão, que leva para a morte. Não se trata de simples leis; são princípios que orientam para uma nova compreensão e prática de vida.
Introdução
(v. 2): O único Deus verdadeiro é aquele que liberta da escravidão, para dar liberdade e vida. Só ele pode dar orientações para que o homem conserve a liberdade e a vida, e não volte a ser escravo. Os mandamentos exprimem a resposta que o homem dá ao Deus que liberta.
1º Mandamento (VV. 3-6): Proibição de servir a outros deuses. O povo deve escolher: ou servir a Javé, que no seu amor dá liberdade e vida, ou servi a outros deuses, que acarretam como castigo a escravidão e a morte. Além disso proíbe fabricar ídolos, para que o povo não seja tentado a servir a deuses falsos: é impossível apresentar o verdadeiro Deus com imagens ou idéias, que correm sempre o perigo de ser manipuladoras.
2º Mandamento (v. 7): Proibição de usar o nome do Deus libertador para acobertar injustiça e opressão. Em outras palavras, o nome de Deus não pode ser manipulado para justificar um sistema que fabrica injustiças na defesa de interesses pessoais ou de grupos.
3º Mandamento (VV. 8-11): Proibição de explorar o trabalho do irmão, tornando-o escravo. Todo homem  tem direito ao dia de descanso para se refazer e tomar consciência de sua vida: o direito de ser livre e gozar o resultado do seu trabalho, antecipando a plena realização que Deus reserva a todos os homens. Além disso, este mandamento faz reconhecer que as pessoas dependem do Criador, e que o trabalho humano é relativo.
4º Mandamento (v. 12): Mostra que a honra é devida em primeiro lugar aos pais e não aos poderes do Estado ou de qualquer outra autoridade. Por outro lado, a vida e a liberdade dependem do respeito aos pais, que são a fonte da vida.
5º Mandamento (v. 13): É o mandamento central. Não proíbe apenas atentar contra a vida do outro; condena também qualquer sistema social que, pela opressão e exploração, reduz o povo a uma condição sub-humana, levando-o à morte prematura.
6º Mandamento (v. 14): O mandamento não se refere propriamente a castidade e à vida sexual, mas ao respeito pela relação matrimonial: não só é preciso respeitar a própria família, mas respeitar também a família do outro; o adultério destrói a relação familiar.
7º Mandamento (v. 15): Não se trata apenas de atos isolados de roubos entre pessoas; o mandamento também condena o sistema social que se estrutura a partir do roubo (= lucro), seja o roubo da força de trabalho (salário mal pago), seja do produto do trabalho (impossibilidade de usufruir do fruto do próprio trabalho), seja ainda do direito ao descanso (lazer).
8º Mandamento (v. 16): Não se trata apenas de falar dos outros. O mandamento condena a corrupção na administração da justiça, pois esta é o único recurso para os pobres e fracos reivindicarem e defenderem seus direitos contra os ricos e poderosos.
9º e 10º Mandamentos (v. 17): Proíbem a cobiça em todos os níveis e formas. Condenam qualquer sistema social que tenha como única meta o ter mais, incentivando espertezas e tramas para se apoderar do que pertence a outros. A cobiça é a mãe da idolatria do poder e da riqueza, que destroem a liberdade e a vida alheias.
22-26
A lei visa a manter o culto a Javé em nível popular, sem o luxo dos grandes templos. Os altares de pedra lavrada eram característicos na religião dos reis opressores, tanto no Egito como em Canaã.
21
1-11
Em Israel, o trabalho escravo existia por causa de dívida e pobreza. A lei procura amenizar a situação, abrindo oportunidades para o escravo se tornar livre. Por outro lado, impede que o patrão abuse e explore a situação de escravo.
12-17
Numa sociedade que não tinha estruturas para conter a criminalidade, a pena de morte é aplicada aos casos mais graves. Mesmo assim, a legislação previa a possibilidade de defesa do réu, para que ele pudesse provar sua inocência. Para isso, existiam as cidades de refúgio (cf. Dt 19,1-13 e Js 20,1-9).
18-27
Os ferimentos não mortais exigem indenização durante o período de inatividade. Os vv. 23-25 prevêem uma pena proporcional ao dano causado. Essa lei, chamada "lei do talião", visava a evitar vinganças exageradas. Os escravos são protegidos pela lei, para não serem abusados por seus patrões.
28-36
O boi puxava o arado, agilizando o trabalho na lavoura. Sendo importante meio de produção, a posse ou não de bois estabelecia disparidade econômica e social. Daí a importância dos danos causados a este animal ou causados por ele. O boi bravo era visto como endemoninhado.
21,37-22,3
O roubo de animais previa três penas: se o ladrão se desfaz dos animais roubados, restituição de cinco ou quatro por um; se os animais estão em seu poder, restituição de dois por um; se não tem com que pagar, será vendido como escravo. O v. 2 mostra que a vida humana tem muito mais valor que o direito à propriedade.
4-14
Os vv. 4-5 visam a proteger os campos cultivados contra a irresponsabilidade dos criadores de gado ou de pessoas que fazem queimadas. Os vv. 6-14 prevêem a idenização no caso de danos à propriedade alheia, confiada, emprestada ou alugada.
15-16
Para evitar que a mulher se torne marginalizada, a lei visa a protegê-la diante do arbítrio masculino, dentro de uma sociedade machista.
17-27
Os VV. 20-26 condenam a exploração da miséria. O imigrante, o órfão, a viúva e o pobre são pessoas que não podem defender-se: devem ser protegidas pelo direito. As necessidades vitais do homem estão acima de qualquer direito de propriedade.
28-30
A oferta, seja da abundância dos produtos da terra, seja dos primogênitos, é para recordar ao homem que tudo é dom de Javé. O animal dilacerado (v. 30) não pode ser comido, porque não foi abatido de acordo com o ritual.
23
1-9
Estas leis são aplicações do oitavo mandamento e  orientam na administração da justiça em tribunais, onde muitas vezes o poderoso prevalece, torcendo o direito contra o pobre e o inocente. O "adversário" dos vv. 4-5 é a pessoa com quem se trava uma causa judicial. O v. 9 estimula a solidariedade: o povo deve respeitar aqueles que vivem na mesma situação que ele viveu no passado.
10-13
O ano de descanso para a natureza era certamente um costume dos antigos; aqui, porém, o costume adquire sentido social: é uma oportunidade para os pobres terem acesso aos produtos do campo. O v. 12 comenta o terceiro mandamento, dando-lhe motivação social: descanso para escravos e imigrantes. O v. 13 proíbe cultuar tudo aquilo que provoque opressão e escravidão (outros deuses).
14-19
As três grandes festas marcam o ritmo da vida agrícola, lembrando que o Senhor da vida é Javé. A festa dos Pães sem fermento é celebrada na primavera; a festa da Messe, também chamada festas das Semanas (cf. Ex 34,22), é celebrada sete semanas ou cinqüenta dias depois do início da colheita do trigo; e a festa da Colheita, também chamada festa das Tendas, era a mais popular e se realizava no outono, no final da estação dos frutos; durante essa festa, faziam-se cabanas de folhagem, relembrando os acampamentos hebreus no deserto.
20-33
O código se encerra com uma exortação sobre a fidelidade a Javé. Servir a ele é respeitar o "anjo de Deus" e lhe obedecer, pois ele guiará o povo até a terra prometida. Esse anjo ou mensageiro é provavelmente a pessoa dos líderes que ajudam o povo a compreender e realizar o projeto de Deus. Por outro lado, não servir outros deuses é não entrar em aliança com outros deuses é não entrar em aliança com outros povos, nem com os deuses deles: isso levaria o povo a construir um "novo Egito".
24
1-11
O rito da aliança mostra o acordo entre os contraentes: Deus, representado pelo altar, e o povo se comunicam através do mesmo sangue, que é símbolo da vida. O Novo Testamento apresentará a Nova Aliança selada com o sangue de Jesus (Mt 26,28).
24,12-31,18
Esta parte do livro foi elaborada por sacerdotes após o exílio na Babilônia. Na época, o culto se tornou muito importante para os judeus conservarem suas tradições e para sobreviverem dentro do império persa. As leis referentes ao santuário e aos sacerdotes foram colocadas aqui, junto com as leis do Sinai, como provindas da época do êxodo, dando assim maior força para elas. O conjunto soa como convite ao respeito e à adoração do único Deus libertador.
32
1-6
Pensando que Moisés tivesse desaparecido ou morrido, o povo sentiu a necessidade de um novo líder que o conduzisse para terra de Canaã. Ao invés de escolher um líder humano que dirigisse o projeto, o povo pediu que Aarão desse a ele um deus visível. O bezerro de ouro é uma representação visível de Javé: o principal problema é transformar Javé em ídolo manipulável, violando o segundo mandamento do decálogo.
7-14
Diante da infidelidade do povo, Javé quer abandonar o seu projeto e escolher outro povo. Moisés, porém, chama a atenção de Javé, mostrando que está comprometido com  o povo por causa  de sua promessa aos antepassados. O projeto de libertação não pode ser elitista: há de contar com as fraquezas e ambiguidades do povo.
15-24
Quebrando as tábuas, Moisés mostra que o comportamento do povo foi uma violação da aliança. O bezerro transformado em pó é uma prova de que se trata apenas de  um ídolo material, sem poder algum. Aarão, por seu lado, em vez de se preocupar com o projeto da libertação, está mais interessado em se desculpar. O importante não é arrumar desculpas ou explicações, mas examinar profundamente o erro, a fim de retomar a caminhada.
25-29
Diante de um erro que compromete todo um projeto, a atitude de Moisés mostra que é necessário cortar o mal pela raiz.
30-35
Javé pune os culpados: o povo sofre as consequências por ter retardado o processo da libertação. Os erros podem ser perdoados, mas não é possível deixar o culpado livre da responsabilidade por seus atos.
33
1-6
O projeto da libertação continua, mas Javé, agora, se mantém distante, por causa das ambiguidades do povo. As jóias são deixadas no Horeb (=Sinai), pois tudo o que é supérfluo arrisca sempre a provocar idolatria: foi com as jóias que o povo fez bezerro de ouro.
7-11
A tenda da reunião é uma espécie de Sinai portátil, para indicar que Javé continua presente no processo de libertação. A tenda colocada fora do acampamento é uma forma de indicar que a presença de Javé dentro da nova sociedade não deve ser institucionalizada. A sociedade necessita de Deus, mas não pode controlar.
12-17
O projeto do êxodo é construir uma sociedade nova, que se funda na partilha e na fraternidade, e não na riqueza e no poder. O pedido de Moisés mostra que é necessária a presença de Javé: ele faz o povo conquistar pouco a pouco a liberdade e a vida para todos. Um projeto revolucionário, que esteja só na mão do homem, acaba se tornando ambíguo e corre o perigo de voltar para trás.
18-23
O texto não parece ajustar-se bem ao contexto. Deus é o mistério longe do alcance humano; mas ao mesmo tempo se torna presente entre os homens. Estes podem experimentá-lo, mas nunca esgotá-lo. O "resplendor de Deus" é Deus agindo com piedade e compaixão onde o homem menos espera.
34
1-9
Moisés procura a todo custo que Javé continue no projeto de libertação: antes, ele defendeu o povo: agora, procura atrair a misericórdia de Javé. Os VV. 6-7 fazem uma apresentação do Deus da aliança: a aliança é uma relação de amor fiel, na qual Deus se manifesta através da compaixão e piedade. Isso, porém supõe a relação de justiça, que faz o homem experimentar a conseqüência de suas opções e atos.
10-13
A aliança é renovada em vista da vida em Canaã: Israel não poderá entrar em aliança com o sistema cananeu, para não repetir a escravidão no Egito.
14-28
O presente texto, também chamado Decálogo, tem semelhanças com o Decálogo propriamente dito (cf. nota em Ex 20, 1-21). Mas o tom é bem mais polêmico: estas normas visam à convivência de Israel com os cananeus. Procura-se, a todo custo, manter uma diferenciação frente aos costumes e ritos cananeus, a fim de que Israel não se contamine com um estilo de sociedade que poderia fazê-lo voltar ao regime da escravidão. Nesse contexto, podemos compreender a expressão "ciúme de Javé": é impossível conciliar o Deus libertador com os deuses que sustentam a exploração e opressão.
29-35
Deus é esplendor (Ex 33,19), e o contato com Deus torna o homem resplandecente, isto é, refletindo a imagem de Deus. Paulo relembra  esta passagem, para falar que o cristão é transformado em imagem de Deus (2Cor 3,7-8.18).
35-40
Estes capítulos relatam a execução das ordens dadas em Ex 25-31, repetindo-as quase literalmente. A finalidade é mostrar que as ordens foram cumpridas ao pé da letra.

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