quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Rute

1
1-5
O livro de Rute se abre com o drama dos pobres: forçado pela carestia e fome, o povo tem que deixar a própria terra e emigrar para outros lugares, buscando maneiras de sobreviver. Mas o drama continua: a família é atingida pela desgraça, e só restam três mulheres indefesas.
6-22
No auge da desgraça e desiludido da terra para onde migrou, o povo pobre decide voltar para terra natal e aí lutar pela sobrevivência. Isso é um verdadeiro ato de fé, porque nada lhe dá certeza ou garantia de êxito. Quem está disposto a se solidarizar com tal povo? A atitude de Rute é o comportamento de todos aqueles que estão dispostos a deixar suas seguranças para se comprometer com o povo pobre, que nada mais tem, a não ser a esperança que nasce da fé. O Deus do êxodo vai se aliar com os pobres e oprimidos, para lhes dar liberdade e vida.
2
1-7
O restolho da colheita, comumente oferecido às divindades, deve ser deixado para os pobres, porque o projeto de Javé os bens devem ser partilhados entre todos. As sobras, portanto, não devem ser acumuladas, mas distribuídas aos pobres (cf. notas em Dt 24, 19-22; 26,12-15). O texto de Rute, porém, deixa entender que até esse direito havia se tornado em favor ou esmola (v. 2), sujeitos ao capricho dos privilegiados. Para conquistar sua liberdade e vida, o povo tem que lutar para reconhecer e fazer valer seus direitos, endereçando a sociedade para a concretização do projeto de Javé.
8-14
A solidariedade entre os pobres causa grandes consequências entre aqueles que estão abertos para a justiça: Booz se dispõe à fraternidade e partilha. Desse modo os pobres provocam sempre um movimento em direção ao projeto de Deus.
Note-se que os vv. 11-12 salientam o modo como alguém começa a pertencer ao povo de Deus. Primeiro, Rute deixa suas seguranças, como fez abraão (Gn 12,1). Depois, ela se compromete com os pobres e oprimidos, que Javé liberta. (Ex 19,4).
15-23
O v. 20 lembra que Booz tem o direito de resgate. Trata-se do dever dele em socorrer o parente em situação difícil. O texto parece misturar dois costumes. Primeiro, o resgate, pelo qual o parente próximo deve impedir a alienação do patrimônio da família (4,4; cf. Lv 25,23-25). E, segundo, o levirato, que obriga o irmão do falecido a desposar a viúva, a fim de perpetuar a descendência e o nome do irmão morto ( 4,5; cf. Dt 25,5-10). Esse duplo costume mostra o seguinte: Deus quer que todos tenham e possam preservar seu pedaço de chão, e participem da história, preservando o nome de família. a libertação do povo pobre acontece quando ele pode realmente participar do espaço (terra) e do tempo (história).
3
1-8
O plano de Noemi mostra que os pobres não devem simplesmente ficar esperando. Ao contrário, com bom senso, discernimento e coragem, devem planejar o caminho que os leve a fazer valer seus direitos.
9-18
O que rute pede a Booz não é um favor, mas um direito previsto em lei. As reivindicações dos pobres não são uma busca de favores, que podem ou não ser atendidas conforme o capricho dos poderosos. Tais reivindicações são algo que lhes pertence por justiça. Uma sociedade justa não surge através de mecanismos injustos e humilhantes (favoritismo, protecionismo, "pistolões"), mas através de luta digna e corajosa, que encontra formas capazes de produzir a prática da justiça.
4
1-8
Noemi vive a situação dos pobres. Para terem o que comer, eles precisam vender seu pequeno patrimônio. Desse modo, ficam sempre mais desenraizados. Enquanto isso, os ricos aumentam suas riquezas e latifúndios. Muitas vezes esse roubo é acobertado por uma perversa interpretação da lei, cuja finalidade é justamente contrária (cf. nota em 2,15-23). Para defender a situação da família, o livro de Rute mistura duas leis, do resgate edo levirato, ampliando o dever implicado nesta última. Assim, não só o cunhado, mas também outros parentes têm obrigação de perpetuar o nome do falecido. Resultado dessa nova formulação jurídica: o terreno de Noemi é vendido, mas continua a pertencer à sua família e será herdado pelo filho que Rute tiver com o seu resgatador. Além disso, o menino que nascer será considerado filho do falecido esposo de Rute. Desse modo, o terreno continuará sendo propriedade do falecido. Isso tudo mostra que é impossível existir um sistema econômico justo, quando não se leva em conta a situação concreta em que vivem os empobrecidos. O sistema econômico não enformado pela visão da dignidade humana acaba se transformando em fonte contínua de injustiça, violação do direito e corrupção generalizada.
O livro de Rute atinge aqui o seu ápice: a luta dos pobres chega aponto de mudar a estrutura jurídica e legal, encaminhando a construção de uma sociedade justa e fraterna.
9-12
Booz se solidarizou de fato, e levou até o fim a luta  de Noemi e Rute. O que ele ganhou com isso? Apenas o gosto da fraternidade e da justiça, que se alegram com a libertação dos pobres e oprimidos. O nome Booz significa: "Pela Força". Ele é personificação de todos aqueles que gratuitamente colocam sua força e capacidade a serviço da luta  do povo pobre por seus direitos. Ao ver o gesto de Booz, o povo faz a ele um grande elogio, porque desse gesto generoso nasce a esperança de uma sociedade que faz justiça aos pobres.
13-17
Com o nascimento do menino, a situação dos pobres é resgatada e renascem as esperanças do povo. Obed significa servo. Colocando-o como antepassado do rei Davi, o livro de Rute espalha a esperança dos pobres: ter um rei a serviço da justiça, que leve o povo para a liberdade e a vida.
18-22
Estes versículos finais foram acrescentados mais tarde, para destacar que uma estrangeira foi antepassada de Davi. O Evangelho conservará o nome de Rute como antepassado de Jesus (Mt 1,5). Desse modo, a história de Rute deixa bem claro que é através da solidariedade na resistência e na luta, que os pobres constroem a história e o mundo novo.

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