domingo, 8 de março de 2020

O Santo e a Porca de Ariano Suassuna ( Resumido por Artur Áriston)

CAROBA - E foi então que o patrão dele disse: Pinhão, sele o cavalo e vá na minha frente encontrar Euricão...
EURICÃO - Meu nome é Eurico.
CAROBA - Vá na minha frente procurar Euríquio.
EURICÃO - Eurico!
CAROBA - Vá procurar Euriquis.
EURUCÃO - Quer saber, chama de Euricão mesmo.
CAROBA - Vá na minha frente procurar Euricão Engole-cobra...
EURICÃO - Engole-cobra é a sua mãe. Lhe dei licença de me chamar de Euricão e mais nada...
CAROBA - Entregue a Euricão essa carta...
EURICÃO - E o que diaxo que ele quer?
PINHÃO - Deve ser dinheiro emprestado... Toda vez que ele me manda ma frente, deve de ser dinheiro emprestado.
EURICÃO - E que andou espalhando que eu tenho dinheiro? Deve ter sido você, né, Caroba?
CAROBA - Eu o que, seu Euricão?
EURICÃO - Ai a crise e a caristia!
                          (Entrando Margarida de Dodó-Boca-Da-Noite)
MARGARIDA - O que foi, meu pai? Ouvi seus gritos...
EURICÃO - É Eudoro Vicente que tá vindo ,e roubar... Até me mandou essa carta, dizendo isso. Que vem me pedir dinheiro emprestado.
MARGARIDA - Mas meu pai... O senhor tem certeza disso?
EURICÃO - Claro, tá me chamando de burro? E o senhor, seu Dodó-Boca-Da-Noite? Vê que tão querendo me roubar e não fala nada?
DODÓ - O senhor vai ao hotel de Dadá e reserve um quarto para o fazendeiro, quando ele chegar, peça pra ele pagar a conta.
EURUCÃO - Isso mesmo senhor Dodó.. Que talento, que gênio... Se não fosse tão pobre e tão feio minha filha bem que...
MARGARIDA - Bem que o que, meu pai?
EURUCÃO - Nada! Eu vou ao hotel de Dadá reservar um quarto para o fazendeiro, senhor Dodó, você vigia minha filha e minha filha vigia você...
CAROBA - E eu vigio os dois!
EURICO - E que Santo Antônio nos proteja! (SAI)
                        (Todos Amém!!)
CAROBA - Que Santo Antônio nos proteja mesmo, viu seu Euricão porque a confusão vai ser grande...
MARGARIDA -  Do que voc~e tá falando, Caroba?
CAROBA -  É que seu Eudoro não está vindo pra pedir dinheiro emprestado ao seu pai... Ele está vindo pra pedir a mão da senhora em casamento.
            (Dodó tira a peruca e o chapéu e levanta a coluna)
DODÓ -  O que? Isso é verdade , Pinhão?
PINHÃO - Não sei. Ele disse na carta que chega já, mas é fôlego.
MARGARIDA - Isso não pode ser... seu pai gostou tanto de mim quando eu tava lá...
DODÓ - E eu mais ainda... Por isso, vim parar nesse fim de mundo.
CAROBA - Se eu sesenrolar essa história vocês me dão um puxadinho de terra pra eu e Pinhão morar e cuidar?
DODÓ - Damos sim.
CAROBA - Estão saia e deixe que eu resolvo  (Saem)
           (Coro)
EURICÃO - Aquele ladrão!! Querendo me cobrar uma furtuna.. Oxem ... Vocês aqui sozinhos... Cadê Margarida?
CAROBA - Saiu ai.
EURICÃO - E seu Dodó?
PINHÃO - Foi com ela, ué.
CAROBA - Deixe de coisa, seu Euricão... Que o senhor tem que ficar esperto pra se livrar da proposta e da facada...
EURICÃO - Que proposta? Que facada?
CAROBA - Eu tô descondiado que seu Eudoro vem pedir a mão de dona Benona em casamento.
EURICÃO - É sério?
CAROBA - Oxem? E não pode? O homem tá viúvo e a irmã do senhor é solteira.
EURICÃO - E qual é a facada?
PINHÃO - A que meu patrão vem lhe dar.. Pedir dinheiro emprestado.
EURICÃO - O que?
CAROBA - Deve ser pra fazer o casamento.
EURICÃO - Ah, não. Pelo amor de Deus, meu Santo Antônio, me proteja!
CAROBA - Pode deixar comigo, seu Euricão, que eu tenho tudo pronto. Mas, o senhor me dá uma comissão?
EURICÃO - É claro que dou. Caroba, minha velha.
CAROBA - De quanto?
EURICÃO - Lhe dou metade de uma tangerina que o cego Aderaldo me deu ontem.
CAROBA - Eu quero é dinheiro.
EURICÃO - Dinheiro eu não dou.
CAROBA - Então eu tô fora.
EURICÃO - Eu dou dois contos.
CAROBA - Tô fora.
EURICÃO - Três
CAROBA - Tô fora.
EURICÃO - Quatro.
CAROBA -  Tô fora.
EURICÃO - Quatro e setenta e cinco centavos. E nada mais.
CAROBA - Tudo bem... Estou dentro. Saia e deixe que eu resolvo.
BENONA - Eurico!!! Oxem, pensei ter ouvido a voz de Eurico.
CAROBA - Dona Benona, a senhora ficou sabendo que seu Eudoro está vindo pra cá?
BENONA - Estou sim, Caroba. Era por isso que eu queria falar com Eurico.
CAROBA - Pois, eu anco que ele veio pedir a mão da senhora em casamento.
BENONA - A minha?
CAROBA - Oxem... E a senhora num já foi a noiva dele?
BENONA - Sim. Mas, já faz muito tempo.
CAROBA - Pois, ele tá vivo, rico e doidinho pela senhora.
BENONA -  Mas, será que Eurico vai deixar?
CAROBA - Se a senhora quiser, eu posso dar um jeito. Mas, a senhora tem que me ajudar também.
BENONA - Se você me ajudar lhe dou umas economias que tava juntando.
CAROBA - Pois, está arranjado. Saia e deixe que eu resolvo.
                       ( entra Eudoro)  (Coro)
EUDORO - Bom dia, Caroba, chame Euricão. Preciso falar com ele.
CAROBA - Bom dia, seu Eudoro... Olhe, deixe eu lhe falar umas coisas antes. Seu Euricão tá meio doido, achando que o senhor veio aqui pra pedir a filha dele Dona Margarida em casamento.
EUDORO - Pois, não é maluquice, eu vim mesmo pedir a mão de Margarida em casamento.
CAROBA - Então, deixe eu ajudar o senhor. Chame-o pelo nome completo, pergunte a ele como vai a terra, o armazém, e que santo Antônio vela por ele. Depois peça pra ver Margarida.
EUDORO -  Tudo bem, Caroba. Se ele concordar. Eu posso até lhe agradar.
CAROBA - Não, seu Eudoro. O que mais prezo é o zelo que tenho por sua família. Mas, já que o senhor tá insistindo. Pronto. Deixa que eu vou chamar seu Euricão. Seu Euricão?! Ele já deve tá vindo... Seu Euricão?! É tá meio surdo... Ô seu Euricão Engole-Cobra?!
EURICÃO -  Engole-Cobra é a sua mãe!!
EUDORO - Bom doia, Eurico Arábe!!
EURICÃO - Eudoro Vicente.
EUDORO - Como vai a terra?
EURICÃO - Seca!
EUDORO - E o armazém?
EURICÃO - Num vende nada.
EUDORO - E sua filha Margarida?
EURICÃO - O que tem Margarida?
CAROBA - Ele quer vê-la. Faz tanto tempo, mnum é, seu Eudoro?
EURICÃO - Mas, quero logo lhe avisar... Que você vai pra o hotel de Dadá.
CAROBA -  Mas, o senhor não quer ir logo ao hotel não... O senhor acabou de chegar... Não quer receber Margarida fedendo a jegue de estrada, né?
EUDORO -  Sim. Osso é verdade... Mas sobre o casamento...
EURICÃO - Está tudo certo. Você pode se casar com ela. Mas, você tem que me emprestar um dinheiro pra fazer o casamento.
EUDORO - Emprestar? Eu vou é lhe dá esse dinheiro.
EURICÃO - Isso sim que é um homem honrado.
CAROBA - Não esqueça minha comissão, viu, seu Euricão.
EURICÃO - Eu vou lhe dá é uma porrada se você não se sumir daqui.
                       ( Caroba Sai)   ( Coro)
EURICÃO - Agora vai ter mais dinheiro pra encher essa sua barriguinha. Olhe, santo Antônio... Proteja minha porquinha cheia de dinheiro.
     (  Canto de Nossa Senhora,,,, Euricão ,, Música... Entra Margarida)
MARGARIDA - Não suporto mais essa agonias de jeito nenhum. Que jantar mais angustiado! De vez em quando Tia Benona dizia uma frase perigosa, papai outra... eu via a hora de  se descobrir tudo. Será que esta história vai dar certo, Caroba?
CAROBA - Já tá dando... Quando seu Eudoro voltar eu vou dá o sinal. aí a senhora vai se esconder no quarto de tua tia. Certo.
     ( Margarida sai e entra Benona)
BENONA - Tudo certo, Caroba?
CAROBA -  Certíssimo! Quando seu Eudoro voltar eu vou dá o sinal. Aí a senhora sai para os fundos com o vestido de dona Margarida, fingindo que vai. Ela veio rezar pela mãe.
BENONA -  Tudo bem... Estou louca pra casar com aquele danadinho.
                          ( Benona sai e entra Eudoro)
EUDORO -  E então, Caroba. Está tudo certo para hoje?
CAROBA - Mas certo que isso, só que Santo Antônio nos protege. Quando o senhor chegar e der o sinal. Eu abro a porta e o senhor vai para o fundo conversar com Dona Margarida.
EUDORO - Estou ansioso pra isso. Até mais Caroba!
                   (Sai Eudoro e entra Dodó)
DODÓ - Então, Caroba? Ficou tudo certo?
CAROBA - É claro, senhor Dodó. O senhor pensar que eu sou quem? Quando eu der o sinal, o senhor vem e rouba a porca velha de seu Euricão. Ele vem toda noite acariciar ela... Quando ele perceber que ela não tá aqui o senhor sai do quarto de dona Benona com dona Margarida, e dona Benona sai dos fundos com seu Eudoro. Com o escândalo tanto seu Euricão quanto seu Eudoro não terão outra solução a não ser casar vocês dois e se casar com dona Benona.
DODÓ - Pois, então vamos nessa. Que Santo Antônio nos proteja!
CAROBA -  Que Santo Antônio nos proteja!
                                       ( Coro )     ( Momento em que dodó pega a porca)
                                   Toda a Confusão
EURICÃO -  O que tá acontecendo aqui?
CAROBA - Seu Eudoro resolveu matar saudades e está aí, trancado nesse quarto com ela. Eu vou sair desta casa, porque para falar com franqueza, nunca pensei em ver tanto escândalo num sia só!
EURICÃO - Não é possível! Eudoro e Benona aqui"
                                          ( Entram Eudoro e Benona)
EUDORO - É verdade, Eurico. E se você não se ofendesse, eu queria lhe pedir a mão de Benona em casamento.
EURICÃO - E você não já pediu?
EUDORO - Não!
EURICÃO - Quer me levar ao ridículo, é, Eudoro? Faz uma coisa dessa, compromete minha irmã e ainda vem com pilherias, logo agora que ela foi roubada!
BENONA -  Quem, eu?
EURICÃO - Não, aporca! ai, a porca!
EUDORO - Mas Eurico, eu...
CAROBA - Um momento, um momento, quem fala sou eu, O senhor já se explicou com dona Benona, não foi?
EUDORO -  Foi.
CAROBA - A senhora também já entendeu tido, não foi?
BENONA -  Já!
CAROBA - Entendeu o noivado, a confusão, laralá, laralá, tudo?
BENONA -  O noivado, a confusão, laralá, laralá, tudo!
CAROBA - Então, viva! O senhor consente no casamento de seu Eudoro com dona Benona, não é, seu Euricão?
EURICÃO - Consinto, não! Exijo! Agora ou ele casa, ou morre! Ai Santo Antonio, ela está perdida.
BENONA - Eu?
EURICÃO - A porca! Mas vocês dois agora casam, e tem que ser já!
CAROBA - Pois então, eles casam amanhã. O senhor ganhou um grande cunhado, seu Euricão.
EURICÃO - Mas perdi a porca! Ai, a porca! E ainda por cima o que aconteceu com meu patrimônio!
PINHÃO - Seu patrimônio? Qual? A porca?
EURICÃO - Não, Margarida! Benona está garantida, mas essa ai me arranjou um genro corcunda e de boca torta, um miserável que não tem nem onde cair morto! Mato esse miserálvel.
DODÓ - Calma, seu Eurico. Eu sou Dodó, Filho de Eudoro Vicente.
EUDORO - Você deixou de estudar pra vir parar aqui?
DODÓ - Foi meu pai, pois tava apaixonado por Margarida. E agora, tenho que casar com ela, meu pai, porque apesar de não ter acontecido nada demais entre nós, ninguém vai acreditar nisso.
EUDORO - Mas esse casamento assim, meu filho!
MARGARIDA - Esse casamento assim o que? É igual ao do senhor com tia Benona!
EUDORO - Mas ninguém vai saber de nada, meu filho! Nenhum de nós vai espalhar essa história, que eu sei!
CAROBA - Quem não vai espalhar? O senhor está muito enganado, eu vou espalhar tudinho! Vi tudo, assisti tudo e não estou pronta para sofrer essas humilhações, não! Casa em que trabalho, tem que ser casa de respeito, nessas coisas eu sou dura! Vou começar é agora... Meu povo!!
EUDORO -  Tudo bem! Tudo bem! É melhor que todos se casem mesmo. E vamos casar amanhã mesmo. Vamos ajeitar as coisas da festa Eurico.
EURICÃO - Festa? Aonde? Se minha porca está perdida.
DODÓ -  Calma seu Eurico. Eu só escondi um pouco. Mas quero lhe falar. O dinheiro que está ai dentro está todo vencido. Não vale mais nenhum tostão.
EURICÃO - Vão embora! Eu não quero ninguém mais aqui.
TODOS -  Então, adeus Euricão Engole- Cobra
EURICÃO -  Engole- Cobra é a mãe de vocês.

                   ( coro )    ( Depois que todos saem)

EURICÃO  -   Rebanho de besta... Eu já comprei foi outra porca.