quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

AS SEMENTES DO VERBO NAS DIVERSAS RELIGIÕES E CULTURAS

O belo e variado jardim de Deus


O livro do Gênesis , para narrar o episódio do pecado humano, usa a imagem de um jardim e afirma que, em meio às árvores, Deus caminhava, ao final do dia, para encontrar-se com o homem e a mulher, criados à sua imagem e semelhança (cf. Gn 3,8-10).

Usando a mesma imagem, podemos afirmar que o mundo e a humanidade são realmente, o belo jardim de Deus, cheio de plantas variadas, de flores com cores riquíssimas, de frutos saborosos... Deus quis um jardim assim, plural, porque sabe que na pluralidade se encontra a riqueza da complementaridade.

No espaço religioso, verifica-se a mesma coisa: existe uma pluralidade de religiosa e cultural. A Igreja, desde seus inícios, fez essa experiência: nasceu em meio a profundo pluralismo religioso. Contudo, condicionada por situações políticas e sociais, viveu, por um tempo, a tática do isolamento religioso. Em verdade, no período da cristandade, a Igreja se identificava quase totalmente com o Estado, o que favorecia uma forma de rígido exclusivismo religioso. A causa disso foi o Concílio Lateranense IV, que, no ano de 1215, retomou a fórmula de São Cipriano: “extra ecclesiam nulla salus”, isto é, “fora da Igreja não há salvação”.

Mas, sabendo que milhões de povos não conheciam Jesus Cristo e não pertenciam à Igreja católica, uma pequena era necessária: aquelas pessoas que, sem culpa, não conhecem Jesus Cristo e o seu evangelho são destinadas à condenação eterna?

O Concílio Vaticano II

O Concílio Vaticano II declara aberta a porta da salvação não somente aos cristãos pertencentes às Igrejas não católicas, mas também aos seguidores de outras religiões e convida a reconhecer e acolher as “sementes do Verbo” presentes nas diversas religiões e culturas. Desse modo, acentua-se ser a Igreja o meio ordinário pelo qual Deus oferece a salvação a todas as pessoas, porque incorporar-se à Igreja significa tornar-se membro do Corpo de Cristo, o único mediador e caminho de salvação. Contudo, no seu projeto de salvação, Deus pode salvar até mesmo fora da Igreja.

Retomando a idéia do jardim, pode-se dizer que o concílio ajudou a perceber que a Igreja católica é o jardineiro que recebeu do proprietário do jardim, que é o Senhor, a missão de cultivar todos os canteiros. O jardineiro, contudo, deve aceitar uma realidade que antes não queria perceber: fora dos canteiros por ele cultivados cresciam algumas plantas vigorosas, capazes de produzir bons frutos. Diante disso, começou a refletir e percebeu que toda propriedade é de Deus, e não sua. E foi o proprietário que, na força do Espírito Santo, espalhou as sementes dessas árvores onde ele quis, dentro e fora dos canteiros estabelecidos. Outras plantas, por sua vez, que inicialmente estavam nos canteiros, estenderam suas raízes para fora e produziram mais frutos lá do que aqui.

Desse modo, a Igreja entendeu que existem “ sementes do Verbo”, que é Jesus Cristo, espalhados por todo o jardim, e não somente dentro dos canteiros por ela cuidados. É ela o jardineiro eleito e escolhido por Deus para deixar o jardim sempre mais bonito. Mas, em outras culturas e religiões, Deus pode oferecer sua salvação às pessoas. E, mesmo que as pessoas não tenham ouvido falar de Jesus Cristo e do seu evangelho, podem produzir frutos, pois existem as sementes que Ele lá espalhou, tais como a justiça, o respeito pela vida humana, o desejo de realização e vida plena, a consciência da existência de um ser superior e criador...

João Paulo II afirma que a Igreja é uma mediação que não se opõe ao projeto de salvação, mas “é necessário manter unidas estas duas verdades, isto é, a real possibilidade de salvação em Cristo para todos os homens e a necessidade da Igreja para tal salvação. Ambas favorecem a compreensão do único mistério de salvação, de modo a poder experimentar a misericórdia de Deus e a nossa missão” (Redemptoris Missio, 9). Desse modo, a única missão da Igreja comporta diversos aspectos; deve educar no aprofundamento da fé os católicos; deve cuidar dos cristãos “descristianizados” que vivem em pleno secularismo e têm a necessidade de ser novamente evangelizados; deve fazer-se próxima dos cristãos não católicos com os quais trabalha para reencontrar a unidade; deve ir ao encontro dos não-cristãos como portadora do anúncio da salvação em Cristo.

Para cumprir essa missão, os caminhos seguidos são o ecumenismo e o diálogo inter-religioso.

O ecumenismo é o processo de busca da unidade entre as diversas confissões cristãs, a fim de cumprir o mandato de Jesus: “... que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21).

O diálogo inter-religioso privilegia as relações entre a Igreja e as religiões não cristãs, como o judaísmo, o budismo etc. Como em todo diálogo, cada uma das partes tem seu espaço para partilhar, oferecer e receber. Contudo, seja no âmbito do ecumenismo, seja no do diálogo inter-religioso, não se trata de uma perda de identidade ou de reduzir todos ao cristianismo ou á pertença ao catolicismo. Antes, para que se verifique realmente o ecumenismo e o diálogo, cada religião precisa conhecer profundamente a si mesma, a fim de dialogar com inteireza, consciência e respeito.

Descobrimos, desse modo, as sementes do Verbo presente nas diversas religiões e culturas, a Igreja se põe em diálogo e reconhece e afirma ainda mais a sua missão de ser “em Cristo, o sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano”.

Revista ECOANDO, Formação Interativa com Catequistas – Ano V – nº 20.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O JEITINHO BRASILEIRO

          Na maior parte do mundo, nós, brasileiros, somos bem considerados. Nossa pátria amada é vista com bons olhos e possui um povo acolhedor, alegre, trabalhador e de bem com a vida, apesar de tantos problemas.

          Em meio a tantas qualidades, o brasileiro também é muito conhecido pela sua criatividade, pela sua maneira de ser e lidar com os desafios da vida. É o jeito especial de ser e viver: o famoso “jeitinho brasileiro”.

          Para tudo, nós, brasileiros, damos um jeitinho. Mas é preciso perguntar até que ponto esse jeitinho pode nos ajudar ou nos atrapalhar na vida como cristãos.

               A palavra ilumina a vida

          “Disse Jesus a seus discípulos: ‘Um homem rico tinha um administrador. Chegaram-lhe queixas de que ele estava esbanjando seus bens. Chamou-o e lhe disse: O que é isso que me contam de ti? Presta-me conta de tua administração, pois não poderás continuar no cargo. O administrador pensou: O que vou fazer, agora que o patrão me tira o cargo? Não tenho forças para cavar, pedir esmolas me dá vergonha. Já sei o que vou fazer para que, quando me despedirem, alguém me receba em sua casa. Foi chamando um por um os devedores de seu patrão e disse ao primeiro: Quanto deves ao meu patrão? Ele respondeu: Cem barris de azeite. Disse-lhe: Pega o recibo, senta-te rápido e escreve cinqüenta. Ao segundo disse: E tu, quanto deves? Respondeu: Cem medidas de trigo. Disse-lhe: Pega o teu recibo e escreve oitenta. O patrão louvou o administrador pela astúcia com que havia agido. Pois os cidadãos deste mundo são mais astutos com seus colegas do que os cidadãos da luz’” (Lc 16,1-8).

               Testemunhando a palavra na vida

          Com essa parábola, Jesus quer ensinar os seus discípulos sobre o uso dos bens. É uma parábola que soa um pouco estranha aos nossos ouvidos. Como é possível um mau administrador ser elogiado e proposto como exemplo?

          O patrão acusa o administrador e resolve demiti-lo. Assim, diante de uma situação de emergência, aquele administrador usa de seus conhecimentos e influência para “salvar a sua pele”. Ele dá um jeitinho para resolver a sua situação: perdoa parte da dívida dos devedores do seu patrão. A um ele dá 50 por cento de desconto e a outro 20 por cento. Ora, o administrador pôde dar esse desconto porque essas percentagens correspondente àquilo que ele cobrava a mais e guardava para si. Assim, ele usa do que ganhava injustamente para fazer amigos que possam depois apoiá-lo.

          E o patrão reconhece e elogia a esperteza do administrador, jeitinho que ele deu para fazer de seu erro algo de bom para si. Os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz.

          Mas o que isso tem que ver com nossa vida, com o chamado jeitinho brasileiro?

          Jesus não conta essa parábola para nos incentivar a ser desonestos na administração dos bens do mundo, na administração das nossas vidas. Os fins jamais justificam os meios. O que Jesus deseja mostrar é que, da mesma forma que os filhos das trevas são espertos para fazerem suas tramas, assim também os filhos da luz, os seus discípulos, são chamados a ser espertos para promoverem o bem em meio a situações difíceis. Usar da criatividade e de todo jeitinho para fazer o bem. Não é erro e a má administração que são postos como exemplo, mas é a capacidade, o jeitinho de resolver com criatividade as crises da vida.

          Infelizmente no nosso país, muitas vezes o jeitinho brasileiro é usado para o mal. São muitos os políticos que dão um jeitinho entre si para promoverem seus próprios interesses. E como estamos cansados disso. Dá-se sempre um jeitinho para fazer do povo “gato e sapato”. São inúmeras as pessoas que usam de jeitinho, no dia-a-dia, para propor e articular injustiças, para fraudar, para passar o outro para trás e tirar vantagens.

          E o pior é que esse jeitinho pega, contaminando todo o mundo, também a vida cristã. Quantas e quantas vezes se tenta dar um jeitinho no evangelho para que ele não seja tão exigente quanto é? Quantas e quantas vezes se tenta dar um jeitinho para não amar, para não perdoar, para não partilhar, para não participar da comunidade, para driblar os compromissos que brotam de uma fé viva e madura? E o grande pecado: tentar dar um jeitinho para que a fé jamais nos questione e nos faça mudar de vida.

          Por outro lado, graças a Deus, é bonito ver o jeitinho brasileiro da solidariedade, das pessoas que se dão as mãos quando a vida aperta, daqueles que socorrem uns aos outros, de projetos comunitários de pessoas que se preocupam umas com as outras, de tantos cristãos que não medem esforços e sempre procuram dar testemunho da luz no meio das trevas.

          Se os filhos das trevas usam da esperteza para fazer o mal, os filhos da luz devem usar da esperteza, do jeitinho brasileiro, para fazer o bem. Os discípulos missionários de Jesus precisam de um jeito especial para levar o evangelho da vida a todos, pois o próprio Jesus disse: “Vede, eu vos envio como ovelhas no meio de lobos: sede espertos como as serpentes e simples como as pombas” (Mt 10,16).

          Se o jeitinho brasileiro fosse assumido numa perspectiva de fé e vida cristã. O Brasil, com certeza, tomaria jeito!

Revista Ecoando – Formação Interativa com Catequista – Ano V – nº 21.