O livro do Gênesis , para narrar o episódio do pecado humano, usa a imagem de um jardim e afirma que, em meio às árvores, Deus caminhava, ao final do dia, para encontrar-se com o homem e a mulher, criados à sua imagem e semelhança (cf. Gn 3,8-10).
Usando a mesma imagem, podemos afirmar que o mundo e a humanidade são realmente, o belo jardim de Deus, cheio de plantas variadas, de flores com cores riquíssimas, de frutos saborosos... Deus quis um jardim assim, plural, porque sabe que na pluralidade se encontra a riqueza da complementaridade.
No espaço religioso, verifica-se a mesma coisa: existe uma pluralidade de religiosa e cultural. A Igreja, desde seus inícios, fez essa experiência: nasceu em meio a profundo pluralismo religioso. Contudo, condicionada por situações políticas e sociais, viveu, por um tempo, a tática do isolamento religioso. Em verdade, no período da cristandade, a Igreja se identificava quase totalmente com o Estado, o que favorecia uma forma de rígido exclusivismo religioso. A causa disso foi o Concílio Lateranense IV, que, no ano de 1215, retomou a fórmula de São Cipriano: “extra ecclesiam nulla salus”, isto é, “fora da Igreja não há salvação”.
Mas, sabendo que milhões de povos não conheciam Jesus Cristo e não pertenciam à Igreja católica, uma pequena era necessária: aquelas pessoas que, sem culpa, não conhecem Jesus Cristo e o seu evangelho são destinadas à condenação eterna?
O Concílio Vaticano II
O Concílio Vaticano II declara aberta a porta da salvação não somente aos cristãos pertencentes às Igrejas não católicas, mas também aos seguidores de outras religiões e convida a reconhecer e acolher as “sementes do Verbo” presentes nas diversas religiões e culturas. Desse modo, acentua-se ser a Igreja o meio ordinário pelo qual Deus oferece a salvação a todas as pessoas, porque incorporar-se à Igreja significa tornar-se membro do Corpo de Cristo, o único mediador e caminho de salvação. Contudo, no seu projeto de salvação, Deus pode salvar até mesmo fora da Igreja.
Retomando a idéia do jardim, pode-se dizer que o concílio ajudou a perceber que a Igreja católica é o jardineiro que recebeu do proprietário do jardim, que é o Senhor, a missão de cultivar todos os canteiros. O jardineiro, contudo, deve aceitar uma realidade que antes não queria perceber: fora dos canteiros por ele cultivados cresciam algumas plantas vigorosas, capazes de produzir bons frutos. Diante disso, começou a refletir e percebeu que toda propriedade é de Deus, e não sua. E foi o proprietário que, na força do Espírito Santo, espalhou as sementes dessas árvores onde ele quis, dentro e fora dos canteiros estabelecidos. Outras plantas, por sua vez, que inicialmente estavam nos canteiros, estenderam suas raízes para fora e produziram mais frutos lá do que aqui.
Desse modo, a Igreja entendeu que existem “ sementes do Verbo”, que é Jesus Cristo, espalhados por todo o jardim, e não somente dentro dos canteiros por ela cuidados. É ela o jardineiro eleito e escolhido por Deus para deixar o jardim sempre mais bonito. Mas, em outras culturas e religiões, Deus pode oferecer sua salvação às pessoas. E, mesmo que as pessoas não tenham ouvido falar de Jesus Cristo e do seu evangelho, podem produzir frutos, pois existem as sementes que Ele lá espalhou, tais como a justiça, o respeito pela vida humana, o desejo de realização e vida plena, a consciência da existência de um ser superior e criador...
João Paulo II afirma que a Igreja é uma mediação que não se opõe ao projeto de salvação, mas “é necessário manter unidas estas duas verdades, isto é, a real possibilidade de salvação em Cristo para todos os homens e a necessidade da Igreja para tal salvação. Ambas favorecem a compreensão do único mistério de salvação, de modo a poder experimentar a misericórdia de Deus e a nossa missão” (Redemptoris Missio, 9). Desse modo, a única missão da Igreja comporta diversos aspectos; deve educar no aprofundamento da fé os católicos; deve cuidar dos cristãos “descristianizados” que vivem em pleno secularismo e têm a necessidade de ser novamente evangelizados; deve fazer-se próxima dos cristãos não católicos com os quais trabalha para reencontrar a unidade; deve ir ao encontro dos não-cristãos como portadora do anúncio da salvação em Cristo.
Para cumprir essa missão, os caminhos seguidos são o ecumenismo e o diálogo inter-religioso.
O ecumenismo é o processo de busca da unidade entre as diversas confissões cristãs, a fim de cumprir o mandato de Jesus: “... que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21).
O diálogo inter-religioso privilegia as relações entre a Igreja e as religiões não cristãs, como o judaísmo, o budismo etc. Como em todo diálogo, cada uma das partes tem seu espaço para partilhar, oferecer e receber. Contudo, seja no âmbito do ecumenismo, seja no do diálogo inter-religioso, não se trata de uma perda de identidade ou de reduzir todos ao cristianismo ou á pertença ao catolicismo. Antes, para que se verifique realmente o ecumenismo e o diálogo, cada religião precisa conhecer profundamente a si mesma, a fim de dialogar com inteireza, consciência e respeito.
Descobrimos, desse modo, as sementes do Verbo presente nas diversas religiões e culturas, a Igreja se põe em diálogo e reconhece e afirma ainda mais a sua missão de ser “em Cristo, o sacramento ou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano”.
Revista ECOANDO, Formação Interativa com Catequistas – Ano V – nº 20.