terça-feira, 8 de novembro de 2011

OBSERVÂNCIA E GRATUIDADE


           Nos tempos atuais, falar de observância e gratuidade parece coisa fora de moda. Hoje em dia, essas palavras são estranhas não apenas ao nosso vocabulário, mas também às nossas atitudes. Não nos agrada termos de seguir certas leis que podem por limites aos nossos próprios desejos e decisões. Vivê-las, então, torna-se algo mais complexo e nem sempre tão agradável.
           A observância significa executar fielmente algum preceito ou lei, cumprir algo que foi estabelecido, manter a adesão a algo ou alguém. A gratuidade, por sua vez, convida à entrega total, à doação do que se é e do que se tem, ao oferecimento gratuito de algo sem esperança de receber nada em troca. Justamente por isso, ambas as atitudes parecem desafinar a orquestra do mundo atual, no qual prevalecem as atitudes de autossuficiência, de individualismo e relativismo.
Mas, na vida cristã, o que significa viver a observância e a gratuidade? Para encontrar respostas a essa questão, podemos tomar como exemplo a vida de são Paulo. Esse grande apóstolo, antes de sua conversão, observava fielmente a Lei e as tradições judaicas. Contudo, depois da profunda experiência que fez de Jesus Cristo, reconheceu que a única riqueza que vale neste mundo é a observância da lei que provém do amor de Cristo. Ele mesmo afirma: “Mas tudo isso, que para mim eram vantagens, considerei perda por Cristo. Na verdade, julgo como perda todas as coisas, em comparação com este bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por ele tudo desprezei e tenho conta de esterco, a fim de ganhar Cristo e estar com ele” (Fl 3,7-8).
          De modo radical, Paulo afirma ter deixado tudo por causa de Jesus Cristo. De fato, ele fez experiência de profunda conversão, mudou radicalmente sua vida e passou a viver na observância dos ensinamentos de Jesus. Ele aderiu fielmente a Jesus Cristo e à sua mensagem e a anunciou corajosamente.
Não teve medo de perder sua cultura, sua tradição e seu status diante de seus conterrâneos... A observância da fé cristã levou-o a relativizar tudo o que havia conquistado antes e a perceber que o tesouro maior e mais valioso somente pode ser encontrado na fé em Jesus. Tal observância levou-o a proclamar com alegria: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). Assim, a vivência da fé cristã e a observância de seus preceitos o levaram à profunda identificação com Jesus Cristo, e, justamente por isso, ele pôde se encontrar consigo mesmo e ser um homem verdadeiramente livre e feliz.
           Do mesmo modo, Paulo dá testemunho de vivência da gratuidade. Em sua obra apostólica, ele ofereceu gratuitamente tudo o que era e o que possuía. Quando esteve em Corinto, pregando o evangelho, fabricou tendas para suprir seu sustento (At 18,3). Embora julgasse ser correto que a comunidade o sustentasse, procurou trabalhar, a fim de não ser pesado aos fiéis. Mais tarde, ele diria aos próprios coríntios que tinha feito tudo para não lhes dar trabalho, mesmo nos momentos de privações, e que continuaria a agir assim (2Cor 11,9), pois não buscava os bens deles, mas a eles mesmos (2Cor 12,14). E completa que, de boa vontade, por amor a eles, gastaria tudo o que tinha e também se desgastaria pessoalmente (2Cor 12,15).
Paulo reconhece que todas as riquezas provenientes da fé em Jesus Cristo alcançam o seu máximo valor quando oferecidas com gratuidade aos irmãos. Ele não quis nada em troca pelo seu trabalho evangelizador. Sua atitude, nesse sentido, egoisticamente em si mesmo não consegue aproveitar-se de tais bens. A gratuidade é atitude que oferece sabor e ensina a bem utilizar tudo aquilo que somos e temos.
          Observância e gratuidade, portanto, são atitudes que nos ajudam a viver o maior mandamento apresentado por Jesus: o amor a Deus e ao próximo (Mc 12,29-31). Para o cristão, a relação entre essas atitudes é fundamental, pois a observância conduz o amor a Deus, e a gratuidade ao amor ao próximo. Além disso, nossos encontros devem também formar os catequizandos nessas atitudes. O cristão, em nossos tempos, anuncia Jesus Cristo mais por aquilo que vive do que por aquilo que fala. A vivência da observância e da gratuidade será, assim, para as pessoas que nos rodeiam, um testemunho de que vale a pena amar Jesus Cristo, ser fiel aos seus preceitos e amar gratuitamente os irmãos.

Revista ECOANDO, Formação Interativa com Catequistas, Ano VII – nº 25.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

JESUS: ALICERCE DA VIDA ESPIRITUAL


           Certamente você já pôde observar um grupo de pedreiros trabalhando na construção de uma casa. Primeiro eles cavam um buraco no chão. Depois, constroem uma estrutura bem resistente: é o alicerce, sobre o qual se erguerá a casa. Toda a firmeza e estabilidade da casa dependem da qualidade do alicerce.
          Também a nossa vida espiritual é como uma casa: deve estar apoiada num alicerce bem firme. E esse alicerce não é outro senão a pessoa de Jesus Cristo. Em outras palavras, em toda verdadeira espiritualidade cristã, Jesus Cristo deve sempre estar em primeiro lugar. Deixar que Jesus – e somente Ele – ocupe o centro de nossa vida, o lugar mais importante em nosso coração: isso é o que se pode chamar de espiritualidade cristocêntrica.

          Conhecendo Deus por meio de Jesus

          É Jesus quem nos mostra quem é Deus: como o Pai é misericordioso, rico em amor e perdão (cf. Lc 15); como é abundante e fecunda a “água viva” Espírito que Ele faz jorrar dentro de nós (cf. Jo 4). Cristo é a única Porta para o acesso ao mistério do Deus Vivo, do Deus Trindade. Por isso, para quem é cristão, é sempre nocivo querer encontrar Deus buscando atalhos e deixando Jesus de lado: corre o risco de se construir toda uma religiosidade embasada numa imagem distorcida e falsa de Deus, moldada segundo a “moda” ou os interesses pessoais. Só olha nos olhos de Deus quem primeiro olha nos olhos de Jesus.
          Não dá, portanto, para cortar caminho, pois Jesus é o Caminho (cf. Jo 14,6). É estreitando nossos laços de intimidade com Ele, experimentando de perto seu jeito de ser e de amar é que podemos conhecer quem é esse Deus. O amor de Deus vivo e verdadeiro manifestou-se com perfeição no amor concreto de Jesus por todas as pessoas, especialmente pelos pobres, pelos doentes, pelos marginalizados. Conhecemos o rosto amoroso de Deus contemplamos o rosto amoroso de Jesus.

          Vivenciar a Espiritualidade de Jesus

          A espiritualidade é um jeito novo de viver a vida, de ver o mundo e de agir sobre ele, sob o impulso do Espírito Santo. Na espiritualidade cristã, esse jeito novo de viver não é outro senão o jeito que Jesus viveu. Ele não teve em sua vida outro vento que impulsionasse senão o sopro do Espírito Santo (cf. Lc 4, 1.14.18). Não há, pois, uma outra forma de viver a espiritualidade cristã a não ser procurar se exercitar cotidianamente na vivência da própria espiritualidade de Jesus que:
·         Retirava-se em oração para conversar longamente com o Pai (cf. Mc 1,35);
·         Deixava-se mover corajosamente pelo Espírito de Deus(cf. Lc 4, 1.14.18);
·         Catequizava e formava a sua comunidade de discípulos, enviando-a em missão (cf. Mc. 3, 13ss);
·         Fazia-se irmão dos mais fracos, aliviando-os de suas dores (cf. Mt 8, 1-4);
·         Posicionava-se contra as injustiças de seu tempo (cf. Mt, 23);
·         Aproximava-se dos pecadores, atraindo-se para uma vida nova (cf. Mt 9,9-13; Jo 4,1-30);
·         Ensinava as pessoas a construírem um mundo novo de partilha, serviço e paz (cf. Lc 6,30-44);
·         Encontrou perseguições e permaneceu firme na missão até a Cruz (cf. Jo 4,34; 18-19).

           Seguimento de Jesus: rocha firme de nossa vida espiritual

          Procurar manter os “olhos fixos em Jesus” (cf. Hb 12,2) e desenvolver os traços da espiritualidade do Mestre na nossa própria vida é o que se pode chamar de seguimento de Jesus. Seguir Jesus é estar profundamente ligado a Ele e comprometido em atualizar seu jeito no contexto em que vivemos. Seguir  Jesus significa, em outros termos, deixar-se apaixonar por Ele e prosseguir sua missão, seu jeito de viver, dentro da realidade do mundo.
         Jesus é, pois, a Rocha sobre a qual devemos construir a casa de nossa vida espiritual. Qualquer outra base que lhe queiramos dar não passará de simples areia (cf. Mt 7,24-27). Uma espiritualidade que não está bem alicerçada no seguimento de Jesus tende a ruir com o tempo e as dificuldades.
         Assim, a devoção a Maria e aos outros santos, as penitências, as procissões, as atividades pastorais e tudo o mais só tem sentido quando nos levam para Jesus, quando nos fazem mais unidos a Ele, e só. O único centro da vida do cristão – e da Igreja! – ser Jesus Cristo, e mais ninguém. Nossa Senhora, por exemplo, sempre nos pede que voltemos nosso olhar para o seu Filho: “Façam tudo o que Ele lhes disser!” (Jo 2,5). O mesmo se pode dizer dos santos: são nossos amigos, companheiros e modelos na escola do seguimento de Jesus. O apóstolo São Paulo entendeu isso muito bem: Sejam mais imitadores, como eu sou de Cristo” (1Cor 11,1). Também nas nossas atividades de apostolado Jesus deve ser sempre a fonte e a meta: é Ele quem nos chama e nos envia: é o nome d’Ele que deve ser anunciado e é por Ele que as pessoas devem se sentir entusiasmadas.

         Contemplando a vida de Jesus

          A contemplação dos mistérios da vida de Jesus é uma maneira excelente de rezar e que nos ajuda a desenvolver essa espiritualidade cristocêntrica. Sobre esse jeito de orar, temos muito a aprender com Santo Inácio de Loyola, nos seus Exercícios Espirituais.
          O que é contemplar? Contemplar é escancarar as portas e as janelas do nosso coração para admirar a beleza da vida, a beleza do outro, a beleza de Deus. É sentir e saborear interiormente o mistério que se contempla. Mistério não é algo secreto, impossível de ser conhecido, mas é algo – ou alguém – que sempre se revela novo para nós...
         O amor contemplativo nos dá acesso ao “mistério” de uma pessoa. A oração de contemplação nos põe em profunda sintonia com Jesus, nos permite perceber quais são os seus sentimentos, ações e reações, que devem também ser os nossos (cf. Fl 2,5). Para isso, a contemplação coloca a imaginação a serviço da oração.

Revista ECOANDO, Formação Interativa com Catequistas, Ano III - nº 9.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O CATEQUISTA E OS PROJETOS PASTORAIS


          Coisas que nos fazem pensar...

          O debate estava inflamado na reunião de catequistas.

          Tudo começou quando Helena, a coordenadora do grupo, fez o convite a todos os catequistas para que participassem do retiro espiritual promovido pela dimensão missionária da paróquia, que se realizaria no próximo domingo. Alguns catequistas estavam empolgadíssimos com o retiro,  mas havia um grupo “puxando para trás”.

          Foi então que Renato falou em nome do seu grupo:

          _ Nós não vemos necessidade alguma de participarmos desse retiro. Nós somos catequistas, e não missionários. Não é um retiro para catequistas. O que vamos fazer lá?

          O termo “PASTORAL”

          Quando nos perguntam de que pastoral participamos, logo respondemos: da Pastoral Catequética! Essa resposta está certa, sob alguns aspectos, mas incompleta.
          Antes de pensarmos nesta ou naquela pastoral, precisamos pensar na missão da Igreja. Ela existe para evangelizar, para continuar a missão de Cristo, para levar a todos a  boa nova da vida, da liberdade, da justiça e do amor. E, quando falamos em Igreja, não estamos falando de uma estrutura ou de uma instituição, simplesmente. Estamos falando de todos e cada um de nós que, pelo batismo, nos tornamos também “pastores” do povo de Deus, como Jesus.
          De “pastor” vem o nome “pastoral”, que  comumente usamos para designar uma ação organizada e permanente da Igreja com a finalidade bem definidas e que requer planejamento, pessoas, recursos e... muita oração!
          Pastoral, portanto, é todo empenho feito pelos cristãos que se propõem agir no mundo como Jesus, o Bom Pastor. Ora, fazer como Jesus fez, isto é, “fazer pastoral”, exige de cada um espírito de serviço, colaboração, fraternidade, autêntica caridade, disposição e amor, sobretudo aos mais pobres. O jeito de Jesus “fazer pastoral” muito nos ensina. Sempre no meio do povo, convivendo com todas as pessoas, respeitando a história e o momento de cada um, sem nada impor... Tudo isso nos leva a questionar o modo pelo qual nossa Igreja, nossas comunidades e nós, catequistas, entendemos a nossa missão pastoral!

          As pastorais da Igreja

          Da única e mesma missão da Igreja, que é levar a todos o amor do Bom Pastor, nascem todas as pastorais e iniciativas de evangelização, também a Pastoral Catequética, que assume a tarefa específica de educar na fé crianças, jovens e adultos que já atenderam ao primeiro chamado de Jesus e precisam amadurecer no seguimento dele.
          Cada pastoral, portanto, realiza um aspecto da missão evangelizadora da Igreja, de acordo, com sua vocação. A Pastoral Familiar, por exemplo, auxilia a família de sua missão, que é santificar os relacionamentos no lar e ser fermento de santidade no meio do mundo; a Pastoral da Criança se preocupa com as crianças de 6 anos, especialmente as carentes, para que tenham vida em plenitude... E, assim, cada uma delas aponta para um jeito especial de viver a multiforme graça de Deus.
          No entanto, nenhuma das pastorais tem razão de ser isolada das outras, como se fosse um “departamento” da Igreja ou um trabalho paralelo. Quem pensa assim não entendeu nada do que é “ser Igreja”, a qual, na sua essência, é comunhão e participação. Por isso é preciso atentar para que uma pastoral não se feche no seu mundinho, esquecendo o horizonte maior da comunidade da Igreja.
          A CNBB tem falado muito de Pastoral Orgânica e de harmonia das dimensões da evangelização. Pastoral Orgânica é a vivência da unidade na diversidade da Igreja, com cada pessoa ou pastoral realizando sua missão própria, mas num corpo, em que um órgão depende necessariamente dos outros.
          Uma comparação que pode ajudar é a com um bolo de muitas camadas, cada uma com um  sabor diferente. Quando o bolo é fatiado, prazerosamente de todos os sabores das camadas, que resultam em deliciosa harmonia.

           Os projetos pastorais da catequese

           Naturalmente, a Pastoral Catequética, uma camada tão boa desse grande “bolo”, tem sua missão específica, seu jeito de agir todo especial e seus projetos que orientam os trabalhos. É bom e necessário que assim seja! Mas nenhum catequista pode se concentrar somente em suas atividades, perdendo de vista a comunidade e as tarefas comuns. É lamentável que catequistas se recusem a participar de outras atividades e experiências eclesiais enriquecedoras! Não é possível entender como verdadeira a vocação de um catequista que se limita a ir aos encontros com os catequizandos e, às vezes, nem à missa quer ir, muito menos a outras iniciativas de sua Igreja. Algo está muito errado e precisa ser revisto bem depressa!

          Revista ECOANDO, Formação Interativa com Catequistas – Ano IV – nº 14