sábado, 6 de novembro de 2010

A ESPIRITUALIDADE DA AMIZADE

"Quem encontrou um amigo, encontrou um tesouro..."

          Uma das experiências que mais fazem a vida humana valer a pena é, sem dúvida, a amizade. Podemos nos arriscar a dizer que só somos plenamente humanos quando somos amigos de alguém. O amigo é a casa, o refúgio em que sempre nos sentimos à vontade e encontramos acolhida imediata. É interessante observar quanto as coisas que acontecem na vida de um amigo são importantes e significativas para nós. De modo muito espontâneo, queremos que nosso amigo seja feliz e realizado e, livremente, sem interesse, desejamos contribuir para que isso se concretize. Além disso, nenhuma palavra precisa ser dita ao amigo num momento de dor: basta a presença. Mais ainda: a amizade é mistério tão belo, que ultrapassa as barreiras de tempo e de espaço. Mesmo fisicamente, o amigo não deixa de ocupar os cômodos mais preciosos de nosso coração.
          Por que será que a amizade é, então, esse espetáculo em nossas vidas? Por que ela nos proporciona tanta alegria de viver? Talvez porque somente na compahia de um amigo não corramos o risco de ser transformados em coisas pelo mundo ao nosso redor. Fora do contexto da amizade, procuramos as pessoas pelos serviços que elas são capazes de nos prestar. Fora da amizade, reina o interesse, e a relação entre as pessoas acaba sendo do tipo servo-senhor. Vemos, por experiência, que esse tipo de relação também é necessária para nosso convívio em sociedade, já que é impossível mantermos uma amizade profunda com todos os que se encontram ao nosso redor. entretanto, uma pessoa sem verdadeiros amigos é como um "sem-teto", um "desabrigado", parodiano Jesus, não ter amigos é não ter onde "repousar a cabeça".

          "Ja não somos servos, mas os teus amigos..."
          Se a amizade é algo tão fundamental para que sejamos gente em plenitude, ela só pode ser coisa de Deus! De fato, ele nos criou para a amizade. Indo um pouco mais além, é muito belo pensar que Deus também quer ter em nós os seus amigos do peito. Ele criou o universo e, juntamente, o homem e a mulher para repartir conosco a sua vida divina. Quis compartilhar conosco a sua sabedoria, asua liberdade, o seu amor. Fes-nos à sua imagem e semelhança. Qual não deve ser a satisfação do Pai divino ao se ver refletido na pupila de nossos olhos! Deus ama muito o ser humano, a ponto de buscar o seu descanso, o seu refúgio, a sua "morada" dentro do coração do homem. Ele é amigo do ser humano, seu parceiro, de modo algum seu rival.
          A sensibilidade bíblica há muito captou isso. No belo poema do Gênesis, que celebra a criação do homem e da mulher, o Criador, ao entardecer, vinha entreter-se com Adão e Eva no jardim. Do mesmo modo, representado por três viajantes, Deus visitou Abraão e Sara em sua tenda e ceou com eles. Por meio de sua palavra, Deus não se cansa de sem revelar como o peregrino em busca da amizade do ser humano: ele é o pastor à procura da ovelha que se perdeu, a mulher que varre a casa para encontrar a moeda preciosa, o pai ansioso pelo regresso do filho desaparecido.
          É em Jesus Cristo que a amizade divina nos é revelada de maneira plena. Se pairava alguma dúvida sobre quanto Deus nos ama, ela já não existe: "Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz; mas eu os chamo amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu lhes dei a conhecer". Ente amigos não ha segredos. com a vida e a palavra, Jesus "rasgou seu coração" para nós a fim de que nós também possamos "rasgar o nosso coração" para Deus. O discípulo de Jesus nunca se deve imaginar, pois, como uma "coisa" para Deus, que possa ser usada e descartada a qualquer tempo. Cada um de nós lhe é único, insubstituível; é o seu amigo do peito, no qual ele encontra o seu agrado. E qual entre os nossos amigos estaria disposto a dar a vida por nós? "Ninguém tem maior amor do que aquele que d´a vida pelos seus amigos".
                          "Seja o que vier, venha o que vier..."
         Deus é nosso amigo, venha o que vier. Nada nos deve fazer duvidar do seu amor por nós: "Mas agora, dis Iaheweh, aquele que te criou, ó Jacó, aquele que te modelou, ó Israel: não temas, porque estou contigo. Chamei-te pelo nome: tu és meu. Quando passares pela água, estarei contigo; quando passares rios, eles não te submergirão. Quando andares pelo fogo, não te quimarás, a chama não te atingirá...Porque és precioso aos meus olhos, és honrado e eu te amo".
          A maldade do mundo, contudo, é muito grande, bem sabemos. São muitas as pessoas sozinhas, sem aparo, e não precisamos ir longe. A amizade de Deus pelos homensmanifesta-se de modo sensível na amizade que dedicamos uns aos outros. a amizade humana é sacramento da amizade divina num mundo repleto de tanta dor. assim  como Deus é nosso refúgio e ombro amigo constante, também compete a nós ser refúgio para os que precisam de consolo e dignidade. "Este é o mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Vós sois os meus amigos, se praticais o que vos mando".
          Jesus é bastante claro: a amizade com Deus necessita da conversa amiga que é a oração, mas não se esgota nela. O verdadeiro amigo de Deus é também amigo do mundo que ele criou, amigo da natureza, amigo da vida, amigo dos que sofrem, "seja o que vier,venha o que vier" ("Canção da América" _ Milton Nascimento/Fernando Brant).